
Os números não mentem (e indicam caminhos a seguir)

Francisco Christovam
A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU
lançou, no seu Seminário Nacional realizado em agosto passado, a
versão atualizada do Anuário NTU 2023/2024, com 30 anos de
monitoramento da situação do transporte urbano por ônibus, no Brasil. O
documento apresenta uma série histórica completa de onze indicadores
operacionais – demanda de passageiros, quilometragem produzida,
viagens realizadas, frota operacional, idade média da frota, custo por
quilômetro, tarifa pública média, entre outros – obtidos em nove capitais
e regiões metropolitanas que, juntas, representam aproximadamente
33% da frota nacional e 34% da quantidade de passageiros
transportados no país. Os levantamentos e as análises realizadas
permitem um bom entendimento da evolução do principal meio de
deslocamento nas cidades brasileiras.
No mesmo evento, a Confederação Nacional do Transporte – CNT
apresentou os resultados da Pesquisa de Mobilidade da População
Urbana, cujo objetivo central foi levantar informações para a elaboração
de políticas de transporte de passageiros, em âmbito nacional. A
pesquisa buscou retratar a realidade de 319 municípios, com população
superior a 100 mil habitantes que, juntos, somam 115,6 milhões de
pessoas, ou seja, 57% da população brasileira. A classificação social dos
entrevistados foi determinada pelo Critério Brasil de Classificação
Econômica, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa – ABEP. Com base nesse critério, 72,6% dos entrevistados
pertencem às classes C, D e E, ou seja, a parcela da população que
mais utiliza o transporte coletivo. Foram realizadas 3.117 entrevistas com
os responsáveis pelo domicílio e 6.947 entrevistas com moradores,
gerando um grau de confiança de 95% e uma margem de erro de 1,8%,
para os primeiros entrevistados, e de 1,2%, para os segundos.
Embora os dois trabalhos tenham seguido as melhores e mais modernas
técnicas de levantamento e análise de dados, o cruzamento das
informações obtidas é que permite um diagnóstico e um prognóstico
muito acurado da real situação do transporte coletivo urbano de
passageiros, no Brasil. Se o anuário pode ser comparado a um filme,
com roteiro bem definido, a pesquisa apresenta uma foto da situação,
com foco e detalhes muito precisos.
O Anuário da NTU mostra que, nos últimos dez anos, houve uma queda
de cerca de 45% no número de passageiros transportados,
mensalmente. Em 2013, o número médio de passageiros transportados,
por mês, foi de 390 milhões e, em 2023, esse número caiu para 214
milhões. Com relação à quilometragem produzida, no mesmo período, a
redução foi de 40%, ou seja, de 230 milhões de quilômetros para 138
milhões de quilômetros, por mês.
É importante ressaltar que esses números foram drasticamente afetados
no período da pandemia, quando houve uma redução de até 80% da
demanda de passageiros, em março de 2020. De lá para cá, houve uma
gradual recuperação da demanda; mas, a quantidade atual de
passageiros transportados continua cerca de 15% inferior ao volume
verificado no período anterior à pandemia. É possível inferir que se trata
de uma demanda perdida, composta por passageiros que fizeram a
opção por outro modo de deslocamento – carro próprio, motocicleta,
serviço por aplicativo, carona solidária, entre outros – e que, muito
provavelmente, não retornam para o transporte público.
Uma outra avaliação apresentada no Anuário da NTU diz respeito à
produtividade do setor, ou seja, a evolução do índice de passageiros
equivalentes por quilômetro – IPKe, cuja variação foi de 2,52, para 1,59,
para 1,68 e para1,53, nos anos de 1993, 2003, 2013 e 2023,
respectivamente. Essa alteração representa uma perda de cerca de 40%
de produtividade, no período de 1993 a 2023 e se deve, basicamente, ao
baixo investimento em infraestrutura e ao aumento crescente dos
congestionamentos urbanos, que reduzem a velocidade média da frota,
aumentam o tempo de viagem, afetam o equilíbrio econômico-financeiro
dos contratos e comprometem a modicidade tarifária.
Outro índice que merece ser analisado é a queda do número de
passageiros transportados, diariamente, em cada veículo do sistema de
transporte urbano, com uma redução de 631, para 428, para 407 e para
295, nos anos de 1995, 2003, 2013 e 2023, nessa ordem. Essa perda, de
cerca de 53%, no desempenho da frota, pode ser atribuída à redução da
demanda e ao baixo nível de priorização do transporte coletivo nos
sistemas viários das cidades brasileiras.
Para completar, vale citar a evolução da idade média da frota brasileira
de ônibus destinados ao transporte urbano, que variou de 4,53, para
5,60, para 4,47 e para 6,42 anos, em 1995, 2003, 2013 e 2023,
respectivamente. É importante destacar que, nos últimos três anos, o
indicador atingiu os resultados mais elevados de toda a série histórica,
de quase 30 anos.
A pesquisa da CNT, por sua vez, apresenta uma gama enorme de
informações, relevantes e importantes, para uma avaliação do perfil e do
comportamento do passageiro do transporte urbano e para a tomada de
decisões que podem definir uma nova ordem de valores, na prestação
desse serviço público.
A pesquisa mostrou que o ônibus ainda é o meio de transporte mais
utilizado pela população brasileira, representando cerca de 31% dos
deslocamentos realizados, muito semelhante à utilização do carro
próprio. Vale mencionar que, de 2017 para 2024, a utilização do ônibus
caiu de aproximadamente 45% para 31%, o uso do carro passou de 22%
para quase 30% e o da moto mais do que duplicou, passando de 5%
para 11%. No mesmo período, o uso dos serviços por aplicativos subiu
de 1% para 11% e os deslocamentos a pé mantiveram-se praticamente
estáveis, representando 22% das viagens realizadas.
Outro dado interessante diz respeito ao custo médio diário, por tipo de
transporte utilizado. O dispêndio diário com as viagens por taxi, carro
próprio, aplicativos, mototáxi e moto própria, é da ordem de R$46,00, de
R$30,00, de R$27,00, de R$13,00 e de R$11,00, respectivamente,
enquanto o deslocamento por ônibus custa, em média, R$9,75.
Um ponto que chama a atenção é a quantidade de pessoas que
relataram ter mudado o modo de deslocamento, nos últimos anos. Pela
pesquisa, quase 30% dos entrevistados deixaram de utilizar e outros
27% diminuíram o uso do ônibus, substituindo-o por outros meios de
transporte como o carro próprio (38,5%), as viagens a pé (19,3%), os
aplicativos (18,2%) e a moto própria (14,7%).
Os principais motivos que provocaram essas substituições foram: pouco
conforto (28,7%), falta de flexibilidades nos horários e nas rotas (20,7%),
elevado tempo de viagem (20,4%), mudança do local de trabalho
(17,2%), preço elevado da tarifa (11,8%), insegurança (11,4%) e baixa
confiabilidade (10,2%).
Mas, uma das informações mais importante da pesquisa é que 63,5%
dos entrevistados que deixaram de usar o ônibus voltariam para o
transporte público, desde que a tarifa fosse menor (21,2%), os ônibus
tivessem mais conforto (19,8%), as viagens fossem mais rápidas
(19,0%), as rotas e os horários fossem mais flexíveis (14,3%), os ônibus
fossem mais pontuais (12,8%) e o serviço fosse mais seguro (8,7%).
Outra informação relevante é que 25,2% das pessoas que deixaram de
utilizar o ônibus voltariam a utilizar o serviço, se a tarifa fosse reduzida
pela metade.
Assim, após o cruzamento das informações disponíveis nos dois
trabalhos e feitas as correlações necessárias, pode-se chegar às
seguintes conclusões ou recomendações:
O transporte coletivo urbano de passageiros ainda é e continuará
sendo um serviço público essencial, estratégico e fundamental para a
organização do espaço urbano e para a boa qualidade de vida das
pessoas que vivem nas cidades. O ônibus também continuará sendo o
principal meio de deslocamento das pessoas, nas cidades brasileiras;
As autoridades, nas três esferas de governo, precisam reconhecer que
o transporte público é um dever do Estado e um direito do cidadão.
Não há como prestar serviço de qualidade à população sem
investimentos em infraestrutura adequada – pista de rolamento,
estações de embarque e desembarque, terminais de transferência,
sistemas de comunicação, entre outros;
É notória a mudança de hábitos da população que utiliza os serviços
de transportes públicos e dos atributos que interferem na opção do
passageiro pelo transporte coletivo em detrimento do transporte
individual. O passageiro precisa ser tratado como cliente e suas
necessidades e expectativas levadas em conta, na definição das
características do serviço a ser prestado;
A migração dos passageiros do transporte coletivo para o transporte
individual – carro, moto, aplicativo – se deve muito à falta de
investimentos para o financiamento da infraestrutura e da renovação
da frota, bem como para o custeio da operação, tornando o transporte
por ônibus pouco atrativo, pouco flexível e muito pouco competitivo
com os outros modos existentes nas cidades;
A recuperação da chamada "demanda perdida" só será possível com a
redução do valor das tarifas e significativa melhoria na qualidade do
serviço prestado, incluindo o uso de infraestrutura adequada, correto
dimensionamento da demanda e da oferta, definição de rotas e
horários mais flexíveis e prestação do serviço com confiabilidade,
regularidade e pontualidade;
É preciso acelerar as mudanças em curso, de ordem institucional,
econômico-financeira, jurídica e operacional, incluindo a alteração do
perfil tecnológico da frota e a concessão de subsídio aos passageiros
com renda insuficiente para bancar o custo da prestação dos serviços;
É imprescindível a separação da tarifa técnica (remuneração da
operação) e da tarifa pública (valor pago pelo usuário), bem como
afiançar a segurança jurídica dos contratos de concessão ou de
permissão dos serviços. O serviço de transporte público é de
responsabilidade do Estado e as empresas operadoras são apenas
parte do processo de produção dos serviços.


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