O futuro do ônibus urbano passa pela criação de um marco legal

28/07/2023
Foto CacaBus
Foto CacaBus

O setor dos transportes urbanos de passageiros começa a se recuperar da perda
financeira de quase R$ 40 bilhões, provocada pela pandemia; mas, ainda, lida
com alguns reflexos negativos, tais como a redução de mais de 90 mil empregos
diretos e a impossibilidade de renovação da frota, devido à redução da
demanda e, consequentemente, a queda na arrecadação das empresas
operadoras. A recuperação da demanda de passageiros já atinge uma média de
84% do total transportado em 2019, e as empresas operadoras investem para
atrair novos clientes para seus sistemas de transportes.
Em recente levantamento realizado pela Associação Nacional das Empresas de
Transportes Urbanos – NTU foi possível constatar que, atualmente, 63 sistemas
de transporte urbano operam com subsídios permanentes, abrangendo 163
cidades. O estudo também revela que foram implementadas 153 iniciativas de
concessão de subsídios pontuais, em 138 sistemas de transportes coletivos
urbanos, para garantir a continuidade da oferta de serviço, durante a pandemia.
Outro fenômeno, do período pós-pandemia, é a implementação da tarifa zero,
especialmente nas cidades de pequeno porte, com população menor do que 50
mil habitantes. Atualmente, já são 84 cidades que adotam esse benefício, sendo
que, desse total, 73 municípios praticam a tarifa zero em todo o sistema de
transporte, durante todos os dias da semana. Em 6 cidades, a tarifa zero
abrange todo o sistema, mas somente em dias específicos da semana; e, nas 5
cidades restantes, a tarifa zero engloba parcialmente o sistema, durante todos
os dias da semana.
Acrescente-se às mudanças provocadas pela pandemia a chamada diferenciação
tarifária, ou seja, até o momento, 44 sistemas de transportes urbanos já fazem a
distinção da tarifa de remuneração, que cobre os custos da prestação do
serviço, da tarifa pública, que é o valor pago pelo passageiro, para realizar a sua
viagem. Essa prática já existe em 12 capitais e regiões metropolitanas e em
outras 30 cidades.
Todas as mudanças que estão ocorrendo nos sistemas de transportes urbanos
de passageiros, a maioria provocada pelos efeitos da pandemia, ainda carecem
de uma sustentação jurídico-legal mais consistente e permanente. Em muitos
casos, os processos licitatórios ou mesmo os contratos de concessão existentes
não estabelecem a separação da tarifa técnica ou de remuneração da tarifa
pública ou de utilização, não permitem a adequação do objeto às necessidades
de ajustes de escopo na prestação dos serviços e não garantem o reequilíbrio
econômico-financeiro das operações. Também, não preveem a revisão
periódica dos procedimentos operacionais e das regras de remuneração, não
estabelecem as definições e parâmetros para aferir a qualidade dos serviços
prestados, não contém uma matriz de risco e não contemplam nenhum
processo de resolução de controvérsias, tais como regras de conciliação,
mediação, comitê de prevenção e resolução de disputa e arbitragem.

Dessa forma, somente uma nova base jurídica, com a criação de um marco legal
ou marco regulatório, poderá estabelecer um conjunto de normas, diretrizes e
leis para regular a prestação desse serviço de utilidade pública, por delegação,
pelas empresas da iniciativa privada. Como resultado, poder concedente e
empresas operadoras poderão mitigar a insegurança jurídica dos atuais
contratos, evitar o desiquilíbrio entre obrigações e responsabilidades das partes
e dispensar a necessidade de longos períodos de transição e de aditivos
contratuais que, por vezes, alteram as regras editalícias e provocam ações por
parte dos órgãos de fiscalização.
Há duas iniciativas em curso para a criação desse instrumento legal para o setor
dos transportes urbanos de passageiros.
Em 22 de setembro de 2021, o então senador Antonio Anastasia apresentou ao
Congresso Nacional o Projeto de Lei Nº 3278/2021, com o propósito de atualizar
a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal Nº 12.587/2012), bem
como as leis federais Nº 10.636/2002 e Nº 10.257/2001. Essa primeira iniciativa
com vistas à criação de um Marco Legal dos Transportes, foi arquivada no final
da legislatura passada; mas, voltou a tramitar, em abril deste ano, por iniciativa
do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) e de outros 32 senadores.
Atualmente, a proposta legislativa encontra-se na Comissão de Infraestrutura
do Senado Federal, com parecer favorável do relator, e aguarda votação.
Paralelamente, ao longo de 2022, os técnicos da Secretaria Nacional de
Mobilidade Urbana – SEMOB submeteram ao Fórum Consultivo da Mobilidade
Urbana, criado pelo Decreto Nº 10.803, de 17 de setembro de 2021, uma
minuta de Marco Legal que, após várias reuniões, culminou com a elaboração
de um documento bastante abrangente e muito bem estruturado. No período
de 28 de novembro de 2022 a 27 de fevereiro de 2023, esse documento passou
por uma consulta pública e recebeu 870 sugestões e contribuições, com o
objetivo de aprimorar o texto sob análise.

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU apresentou
um total de 60 contribuições ao texto sob consulta, focando as suas sugestões
nos itens que dizem respeito aos conceitos gerais, organização dos serviços,
financiamento do setor e na regulação e gestão dos contratos, procurando
explicitar princípios e a futura aplicação do instrumento legal.
Após a análise dos técnicos da SEMOB e a realização de mais algumas reuniões
do Fórum Consultivo, o documento ficou pronto para ser discutido em
audiência pública. Após a análise técnica das contribuições que serão feitas
nessa audiência pública, a ser realizada no final do mês de agosto, a versão final
do documento deverá ser encaminhada à Casa Civil, que se encarregará de
formalizá-lo como projeto de lei perante o Congresso Nacional.
Há uma forte expectativa no sentido de se consolidar e compatibilizar essas
duas iniciativas, uma do Poder Legislativo e outra do Poder Executivo, num
único documento, que contenha um conjunto de normas, leis e diretrizes para
regular a prestação dos serviços públicos de transportes urbanos de passageiros
pelas empresas operadoras da iniciativa privada.
O documento consolidado deverá estabelecer que "o transporte público
coletivo, direito social e dever do estado, é serviço público de caráter essencial,
indispensável ao desenvolvimento socioeconômico de toda a população e ao
atendimento das necessidades de deslocamento das pessoas no território,
cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de forma
compartilhada e no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas
destinadas a assegurar esse direito e organizar os serviços em rede única,
intermodal, acessível, abrangente e integrada".
Além disso, deverá conter capítulos específicos para tratar da organização e da
produção dos serviços de transportes, considerando a qualidade dos serviços e
a produtividade do setor; da programação e planejamento das atividades, para
aumentar a eficiência e o desempenho operacional na prestação dos serviços; e
do financiamento do custeio e dos investimentos necessários, para possibilitar a
adequação da infraestrutura e do material rodante às exigências dos serviços. O
documento também visa ampliar a inclusão da população de baixa renda aos
serviços prestados; tratar da regulação e da gestão dos contratos, para
aumentar a segurança jurídica e conferir mais flexibilidade aos contratos de
concessão e, finalmente, da necessidade de ampla transparência e publicidade,
bem como do controle social da prestação dos serviços.
Assim, para a prestação de um serviço público essencial e estratégico, que
possibilita o exercício dos demais serviços públicos, principalmente, pela
população de baixa renda, o futuro do ônibus passa pela imprescindível,
incontestável e urgente revisão e modernização da Lei Nº 12.587/2012,
consubstanciada na criação de um marco legal do transporte público coletivo
urbano, intermunicipal, interestadual e internacional de caráter urbano, para
estabelecer normas específicas, atinentes às regras gerais para a execução dos
serviços, alterando, por consequência, a legislação que instituiu as diretrizes da
Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Francisco Christovam é presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de
Transportes Urbanos – NTU, vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de
Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes
Públicos – ANTP, bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional dos
Transportes – CNT.


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