Os aspectos político-sociais da Tarifa Zero

06/03/2025
Francisco Christovam
Francisco Christovam

Francisco Christovam


A implementação da Tarifa Zero, em algumas cidades brasileiras, vem
possibilitando um amplo debate sobre essa importante política pública,
nos seus mais variados aspectos. Pelo alcance e consequências de um
projeto dessa natureza, a sua adoção passa, obrigatoriamente, por
avaliações políticas, técnicas, operacionais, urbanísticas, econômicas e,
principalmente, sociais.
Embora a Tarifa Zero tenha sido adotada em Conchas, no interior do
Estado de São Paulo, em 1992, foi no período pós-pandemia que essa
prática cresceu, de forma acelerada. Hoje, 140 cidades brasileiras estão
subsidiando seus sistemas de transportes com a utilização da Tarifa
Zero, de maneira plena ou parcial, ou seja, em alguns dias da semana,
em algumas áreas da cidade ou para segmentos específicos da
população.
A prática da Tarifa Zero é uma medida que visa eliminar a cobrança de
tarifas para os usuários, garantindo o pagamento do custo da produção
dos serviços por outras fontes – geralmente subsídios públicos –
possibilitando o acesso universal a esse serviço, essencial e estratégico,
pelas pessoas de mais baixa renda que, na essência, é o segmento
populacional que mais precisa e mais depende do transporte público.
Vale dizer, ainda, que essa política beneficia diretamente os indivíduos
que, antes, não tinham condições de pagar pelos seus deslocamentos
urbanos. Essa é, sem dúvidas, uma política pública que garante a
inclusão social de uma parte significativa da população brasileira.
Dentre os argumentos mais relevantes para a utilização da Tarifa Zero
estão a garantia do direito social ao transporte, nos termos do artigo 6º
da Constituição Federal; o direito à cidade, conforme previsto no Estatuto
da Cidade (Lei Federal Nº 10.257, de 10/07/2001), e o incentivo ao uso
do transporte público coletivo, visando diminuir o interesse e o
crescimento do transporte privado individual – carros e motos – que
congestionam o trânsito, dificultam o uso mais democrático do espaço
urbano, causam maior poluição ambiental, comprometem a
sustentabilidade urbana e desorganizam o funcionamento das atividades
socioeconômicas nas cidades .
Mário Eduardo Garcia, renomado engenheiro que tem participado de
importantes projetos na área dos transportes públicos, publicou no site
da Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP, em
01/06/2024, um artigo intitulado "Tarifa Zero: tentando ir um pouco além
do sonho", onde destaca "Finalizando, nada do que se disse acima
contesta o DNA de fundo social inerente à tarifa zero. É óbvia e válida a
sua motivação, até como um ato de justiça, para abrir portas e desvelar
os horizontes mais propícios da cidade aos que mais precisam.
Entretanto, ela deve ser pensada e proposta no seu todo, como política
pública integrada, e nunca enunciada apenas como frase salvacionista,
gerando falsas expectativas. Cada um dos impactos, que não se
esgotam com o exposto neste texto, deve ser cuidadosamente sopesado
e tratado, para que a promessa possa se materializar, sem provocar
efeitos opostos ao seu objetivo."
No artigo publicado pelo eminente engenheiro é possível identificar que o
modelo tarifário usado em uma determinada cidade pode interferir e até
definir o modelo de ocupação urbana, tornando a cidade mais adensada
ou mais espalhada, em função das distâncias a serem percorridas, para
conectar as regiões onde se situam as moradias com as áreas da cidade
onde estão os empregos – formais e informais –, com impacto direto no
custo das respectivas viagens. Mas, com a Tarifa Zero, a correlação
entre os modelos tarifário e de ocupação urbana se modifica
drasticamente, por conta das economias decorrentes do não pagamento
da tarifa pública.
É possível verificar que nas cidades que adotaram essa política pública,
houve um significativo aumento do movimento dos centros comerciais,
normalmente localizados na região central das cidades, bem como das
viagens de final de semana, com a finalidade de proporcionar lazer às
famílias de menor renda, que residem nas periferias dos municípios.
Esse efeito pode promover a integração entre diferentes classes sociais
e uma maior coesão social, diminuindo desigualdades e proporcionando
um direito mais igualitário à cidade.
Deve-se considerar, ainda que, do ponto de vista social, a Tarifa Zero
pode ter impactos extremamente importantes nas camadas mais
vulneráveis da população; pois, além de ampliar o acesso ao transporte,
beneficia quem, por muitas vezes, deixa de acessar serviços básicos,
como saúde e educação, bem como oportunidade de emprego, devido
ao custo das passagens. Com a gratuidade, trabalhadores de baixa
renda e desempregados podem, também, se deslocar com mais
facilidade, em busca de tratamentos médicos e de oportunidades de
qualificação e de colocação.
No artigo publicado na rede Linkedin e no site do Sindicato das
Empresas de Ônibus da Cidade do Rio de Janeiro – Rio Ônibus, em
13/01/25, sob o título "Transporte público é como água: essencial, mas
ninguém carrega o custo sozinho", o conhecido empresário do setor,
Jacob Barata Filho, afirma que "na Tarifa Zero, o financiamento é
compartilhado por toda a sociedade, via impostos, iniciativas
empresariais ou fundos públicos, eliminando esse custo direto para os
usuários. Parece ousado? Sim, mas a adoção da Tarifa Zero
desencadeia um processo socioeconômico virtuoso cujo resultado é
comprovado em todas as cidades onde é adotado o programa.... O
financiamento total do transporte público não é apenas uma política, mas
um investimento em pessoas, cidades e futuro. É a chance de mudar a
dinâmica de exclusão que afeta milhões e caminhar rumo a um país mais
justo. Financiar o transporte público é escolher ir longe."
Os benefícios sociais da Tarifa Zero são muito significativos e
apresentam um grande desafio, da concepção do projeto à sua efetiva
implementação. Mas, o financiamento do sistema, incluindo a cobertura
dos custos operacionais e dos investimentos em frota e infraestrutura,
precisa ser, cuidadosamente, planejado, para responder ao inevitável
aumento da demanda e garantir a qualidade e a frequência necessária
dos ônibus, evitando superlotação e a degradação dos serviços, pelo
desequilíbrio entre o número de passageiros e a oferta de lugares.
Normalmente, o custeio dos serviços é realizado por meio de impostos
progressivos, o que gera um debate sobre justiça fiscal e a participação
equitativa de toda a sociedade.
Assim, a adoção da Tarifa Zero apresenta potencial para promover
justiça social, inclusão e sustentabilidade; mas, para ser efetivada como
uma verdadeira política pública, a tarifa zero precisa ser bem planejada,
ter fontes permanentes de recursos e um modelo de financiamento
equitativo e sustentável para o curto, médio e longo prazos.
É importante destacar que todo o debate que vem acontecendo sobre a
adoção da Tarifa Zero ou de tarifas mais módicas, por meio de subsídios
aos passageiros, deveria ser acompanhado de uma discussão mais
ampla, sobre a garantia de um transporte público de melhor qualidade,
tarifas mais justas e serviços cada vez mais universais, com pleno
acesso para todos os segmentos da população. A população precisa
escolher o transporte público coletivo não apenas pela sua
universalidade e gratuidade na prestação dos serviços; mas, pela sua
qualidade e pelo atendimento às suas expectativas e suas necessidades
de deslocamento.

Francisco Christovam é Diretor Executivo (CEO) da Associação Nacional das
Empresas de Transportes Urbanos – NTU, Vice-Presidente da Federação das
Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da
Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, bem como membro do
Conselho Diretor da Confederação Nacional do Transporte – CNT e membro do
Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia.