Modelos de contrato para a eletrificação das frotas
Francisco Christovam
A 26ª Busworld Europe reuniu, em Bruxelas, na Bélgica, no período de 7 a 12 de
outubro, grandes empresas fabricantes de veículos, além de fornecedores de
peças e equipamentos para ônibus. A feira ocupou uma área de cerca de 80 mil
metros quadrados, contou com mais de 500 expositores e, segundo os
organizadores, foi visitada por cerca de 40 mil pessoas.
A grande novidade deste ano foram os ônibus elétricos – puros ou híbridos –
dos mais variados tamanhos, com designs futuristas ou conservadores, com
diferentes tipos de baterias, com autonomia também bastante variada, para uso
no transporte urbano ou no transporte rodoviário de média distância.
É importante destacar que a substituição de ônibus diesel por veículos menos
poluentes é um movimento mundial, com ênfase na utilização da eletricidade
ou do hidrogênio como fontes de energia para alimentar os motores elétricos
de tração.
Independentemente do porte dos fabricantes e da nacionalidade das
montadoras, para os ônibus elétricos, já é possível verificar uma tendência na
utilização de baterias menores, mais leves e mais eficientes, na diminuição no
tempo necessário para o reabastecimento dos veículos, no uso de motores de
tração junto às rodas e de sistemas especiais de arrefecimento ou refrigeração.
Há, também, uma significativa variação no preço de aquisição dos veículos. Para
ônibus urbano de doze metros, o preço na origem (FOB), quando produzidos na
China, pode variar de 350 a 450 mil euros. Para o mesmo tipo de veículo,
fabricado na Europa, o preço atinge de 500 a 600 mil euros, dependendo da
configuração, do material utilizado nas carrocerias e da autonomia dos
modelos.
É importante ressaltar que a eletrificação de uma frota é muito mais do que
uma simples substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis por outros
menos poluentes e exige a elaboração de um projeto detalhado, incluindo a
definição da tecnologia a ser utilizada, a obtenção de recursos financeiros para a
aquisição da frota, o detalhamento do procedimento de carga e recarga das
baterias e até a definição do modelo de negócio a ser praticado.
As cidades de São Paulo, São José dos Campos, Salvador, Vitória, Brasília e
Manaus estão realizando suas primeiras experiências com os ônibus elétricos.
Além disso, Curitiba e Goiânia também trabalham na definição das
condicionantes da eletrificação de parte de suas frotas de ônibus urbanos.
Como os investimentos são muito altos e as operações financeiras são bem
diferentes daquelas conhecidas e utilizadas para a aquisição de ônibus diesel,
algumas cidades estão criando legislação específica, para cada caso, com a
definição de papéis, obrigações, responsabilidades e salvaguardas, tanto para o
Poder Concedente, como para os demais agentes envolvidos no financiamento,
na aquisição e na operação das novas frotas de veículos elétricos.
Tradicionalmente, as empresas operadoras de transporte por ônibus são
remuneradas pelo investimento em frota, equipamentos e instalações fixas
(Capital Expenditure – CAPEX) e, também, pela realização das despesas
operacionais (Operacional Expenditure – OPEX). No caso da aquisição de
veículos por terceiros – públicos ou privados – a remuneração do capital
(CAPEX), obviamente, caberá a quem realizar os investimentos.
Em função da Lei Municipal Nº 16.802, de 17 de janeiro de 2018, as empresas
concessionárias dos serviços de transporte urbano, em São Paulo, vêm
discutindo diferentes modelos de contratação para a substituição de milhares
de ônibus diesel por elétricos. Depois de meses de discussão, as empresas
operadoras, na sua totalidade, ainda não definiram o melhor modelo de negócio
para a realidade paulistana.
Com base nos modelos adotados pelo Red Metropolitana de Movilidad, em
Santiago, no Chile, e pelo Transmilênio, em Bogotá, na Colômbia, num primeiro
momento, discutiu-se o financiamento e/ou aquisição dos veículos elétricos
pela concessionária de energia, ficando as empresas operadoras na condição de
arrendatárias e a Prefeitura de São Paulo como agente garantidor do
empréstimo. Esse modelo ainda não foi totalmente descartado; mas, gerou um
grande debate sobre como tratar a propriedade da frota e a operação de
veículos de terceiros, dentro das regras contratuais existentes.
Uma outra possibilidade em discussão é a empresa operadora investir o valor
correspondente à aquisição de um ônibus diesel, como se estivesse renovando
um veículo da sua frota atual, devendo a Prefeitura aportar a diferença do preço
de aquisição do ônibus elétrico. Como o preço de um ônibus elétrico é cerca de
três vezes superior ao valor de um ônibus diesel, de porte equivalente, a
concessionária deverá investir 1/3 do valor de compra e a Prefeitura se
responsabiliza pelo investimento da parte restante, ou seja, de 2/3 do valor de
aquisição. Neste caso, a empresa operadora será remunerada somente pela
parcela do investimento sob sua responsabilidade.
Um outro modelo que também vem sendo praticado em algumas cidades,
considera a simples aquisição dos veículos elétricos com recursos públicos, por
órgãos governamentais, e a sua cessão para a operação pelas empresas
privadas. São José dos Campos está utilizando esse modelo, para a operação de
doze ônibus elétricos articulados, e acaba de publicar um edital de licitação para
o aluguel, por 15 anos, de quatrocentos novos ônibus elétricos.
Para a operação na Região Metropolitana de Salvador, o Governo do Estado da
Bahia adquiriu vinte ônibus elétricos, que estão sendo operados por uma
empresa privada local, e assumiu a responsabilidade pela implantação dos
pontos de carga e recarga das baterias. Na cidade de Salvador, a Prefeitura
repassou recursos financeiros para as empresas operadoras, a título de
reequilíbrio dos contratos de concessão, para a aquisição e operação de oito
ônibus elétricos e construção do terminal de carga e recarga das baterias.
Em Vitória, os quatro ônibus elétricos foram adquiridos pelas empresas
operadoras, com recursos próprios, ficando o Governo do Estado responsável
pela implantação da estação de carga e recarga das baterias e pelo
fornecimento da energia de tração.
Os seis veículos elétricos que estão operando em Brasília e os dois que circulam
em Manaus foram adquiridos pelas empresas operadoras locais, sem nenhum
incentivo governamental. Como em ambas as cidades a tarifa técnica é
diferente da tarifa pública, as empresas estão recebendo a remuneração do
investimento (CAPEX) totalmente apartada da cobertura das despesas
operacionais (OPEX).
Para a aquisição e operação de uma frota de cerca de setenta ônibus elétricos, a
Prefeitura de Curitiba, com a participação do CWBUS Inovação, está estudando
a celebração de um contrato com as empresas operadoras, que será respaldado
por uma lei municipal. O aporte financeiro necessário para suportar essa
operação será por meio de subvenção às empresas operadoras ou pela
assinatura de um contrato de mútuo. Nos termos do art. 586 do Código Civil
brasileiro, o contrato de mútuo é aquele que trata da transferência de bens
fungíveis, móveis, que podem ser substituídos por outros da mesma espécie,
qualidade e quantidade.
No caso de Goiânia, com vistas ao projeto de renovação de toda a frota de
ônibus do sistema, a começar pela aquisição e operação de 65 veículos elétricos
articulados, o Governo do Estado de Goiás aprovou a Lei Complementar nº 187,
de 6 de outubro de 2023, que, dentre outras inovações institucionais, aprovou a
criação de uma Câmara de Liquidação e Custódia, por meio da qual será
implantado um modelo de gestão centralizada dos fluxos de recursos
financeiros da rede de transportes, baseado nos princípios e conceitos
praticados em contratos de fidúcia.
Referidos contratos, ainda sem previsão legal específica no ordenamento
jurídico brasileiro, são conhecidos e cotidianamente utilizados em países como
Inglaterra e Estados Unidos, lá conhecidos pela expressão "Trust". De forma
geral, o contrato fiduciário tem o objetivo de constituir um administrador para
atuar como intermediário na liquidação de transações financeiras, de modo a
garantir e atestar, nas operações de recebimentos e pagamentos de valores, a
segurança e a integridade das transações, atuando como agente central para
todas as partes interessadas, na prática, minimizando os riscos de inadimplência
e aumentando a eficiência e a transparência da gestão dos recursos do sistema.
As cidades de Fortaleza, Bauru, Diadema, Guarujá, Maringá, Mauá, São
Bernardo do Campo, Santos, Sorocaba e Volta Redonda também estão
estudando a adoção de ônibus elétricos, num total de quarenta e dois veículos.
Como não há um padrão a ser seguido, cada cidade vem discutindo um modelo
de negócio e um modelo de contrato, considerando a sua capacidade de gestão
e de investimento, bem como o seu conhecimento sobre as diferentes
possibilidades jurídicas, econômico-financeiras e operacionais, para a
eletrificação de suas frotas de ônibus urbanos.
Francisco Christovam é Diretor Executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas de
Transportes Urbanos – NTU, Vice-Presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional dos Transportes – CNT.